*esse é um post anônimo, isso é, a pessoa não quis se identificar ao dividir sua história. Se você quiser colaborar com algum post, mas preferir fazer isso anonimamente, fale com a gente. 🙂
Eu assisto BBB e amo. Mas esse foi além de puro entretenimento para mim. Acompanhei milhares de debates sobre o relacionamento entre Guilherme e Gabi era ou não abusivo. E enquanto eu acompanhava, foi me batendo uma angústia que me deixou anestesiada por dias, sem saber como botar em palavras. Até que finalmente eu consegui organizar minhas ideias. E quis vir aqui, mesmo que de forma anônima, falar um pouco sobre esse tipo de abuso que não segue os padrões do que reconhecemos como o relacionamento abusivo clássico.
Por quê? Porque eu me vi na Gabi. E eu terminei um relacionamento justamente por causa disso.
Enquanto acompanhava as discussões sobre Guilherme e Gabi, consegui perceber com clareza o que estava acontecendo comigo. Há 2 anos, eu estava em um namoro considerado perfeito. Quem via de fora, achava que eu tinha tirado a sorte grande. “Que príncipe! Como ele te trata bem! Nossa, ele faz tudo por você, né?”
De fato, eu tenho muita coisa positiva para falar dele. Um homem educado, solícito, atento às necessidades das pessoas, respeitador (e não estou falando em relação à mim somente). O tipo de pessoa que a gente olha e consegue enxergar um coração enorme. E eu me sentia de fato muito sortuda por ter arrumado alguém assim.
Até que veio nossa primeira briga. Briga boba, dessas que a rotina puxada traz nas nossas vidas. Aquela que não é culpa de ninguém, foi só um momento de explosão de duas pessoas que tiveram um dia cheio. Desentendimento, desses que acontecem em qualquer relacionamento. Seria uma briga trivial e facilmente esquecida, mas se transformou em um marco para mim pois, logo depois de aparentemente termos nos resolvido, ele pisou na bola em alguma coisa do trabalho. E veio colocar a culpa em mim. “Tá vendo? Você veio discutir comigo, a gente brigou e eu errei uma coisa importante aqui.” Pedi desculpas, afinal, realmente foi uma explosão minha – seguida de uma total falta de entendimento dele – que fez a briga escalonar.
Na época eu não tinha achado nada demais. Não via nenhum traço de relacionamento abusivo. Afinal, como uma pessoa tão legal podia ser abusiva?
Mas pode.
Uma outra cena marcante foi quando eu conversei com uma amiga minha – e amiga em comum do casal – sobre uma discussão que tivemos. Na verdade eu nem considerava uma discussão, e sim uma divergência. Sabe, quando duas pessoas não concordam sobre determinado assunto e terminam a conversa concordando em discordar? Pois é. Um belo dia, semanas depois desse episódio, estávamos todos no bar e essa amiga trouxe nossa conversa à tona em uma brincadeira. Na hora vi que ele ficou desconfortável, e não demorou muito para ele pedir a conta para irmos embora. No trajeto de volta para casa tivemos uma briga enorme, porque ele achava inadmissível que eu tivesse exposto nosso relacionamento para os outros.
Ele nunca me proibiu de nada. Nunca me disse que não deveria usar alguma coisa. Nunca levantou a mão ou o tom de voz. Ameaças? Não que eu tenha percebido. Mas toda vez que um embate surgia, ou algo acontecia, a culpa era minha. Seja porque eu havia deixa-lo estressado, seja porque eu havia trazido um assunto delicado à tona em um momento que ele não podia pensar naquilo (sendo que eu nunca sabia que momento era esse), ou então porque eu só sabia reclamar.
Comecei a me ver como uma mulher chata, reclamona, que só via problemas. Saíamos cada vez menos com os amigos. Eu comecei a me retrair. E eu cheguei em um ponto de sentir medo de conversar sobre meu relacionamento com outras pessoas. Eu sentia que estava traindo sua confiança cada vez que eu pensava em me abrir com alguma amiga.
Quando vi uma imagem da Gabi que está circulando pelo Twitter, mostrando o quanto um relacionamento que te aprisiona pode acabar com você, eu me vi naquela imagem. E foi aí que deu o estalo.
Percebi que não dava mais para continuar ali, naquele relacionamento. Me sentindo culpada de tudo. Me afastando, vivendo cada vez mais calada e sem energia. Entendi que estava vivendo um relacionamento emocionalmente abusivo. E enquanto via a Gabi aos prantos, eu tomei uma decisão e terminei.
Isso tem menos de uma semana. Ninguém entendeu nada. E essa é a primeira vez que to colocando as ideias no lugar, literalmente. Ainda não acredito que foi assistindo um reality show, naquele momento do meu dia que uso para relaxar, que minha vida deu uma guinada dessas. E confesso que ainda tenho dificuldade de encarar meu relacionamento como abusivo. Acho forte. Estamos vivendo em um tempo de extremos, onde todo mundo é santo ou é monstro. Eu ainda consigo ver todas as características positivas que me fizeram gostar dele em primeiro lugar. Não consigo considerá-lo um monstro.
Ao mesmo tempo consigo reconhecer o quanto eu me anulei, por total falta de entendimento dessas estruturas. Agora entendo também que ele só agia dessas formas porque eu permitia me colocar nesse lugar. E agora que eu entendi, poderia tentar novamente com essas novas informações? Talvez. Mas decidi que não quero. Foram 2 anos nesse esquema emocionalmente exaustivo. Nesse caminho, eu perdi toda a energia que eu sei que será necessária para fazê-lo entender. Escolhi reencontrar meu amor próprio que tinha sido deixado de lado, algo que eu espero, inclusive, que a Gabi ache também.
E por quê resolvi escrever esse textão, mesmo que de forma anônima? Porque eu queria mostrar para quem está lendo que relacionamento abusivo não tem estereótipo. Queria mostrar que dá para cair em contextos abusivos dentro de um relacionamento. Que aquela pessoa que é tão legal pode, sim, apresentar traços abusivos na forma de se relacionar.
Por mais que eu tenha optado em não permanecer no meu, ainda acredito que pessoas mudam. Prefiro acreditar que existe gente que quer aprender a enxergar a sua responsabilidade dentro dos relacionamentos. Homens que querem prender a enxergar os traços de machismo que estão ali, sutis mas poderosos. Quanto antes você entender esses sinais, e dependendo da disposição do/da seu/sua parceiro/parceira para repensar comportamentos, pode ser que existam esperanças. E esse relacionamento seja, enfim, saudável.