Meu carnaval de 2020 começou a mudar em 2019, quando o Rolê de Peso foi fundado. Somos um coletivo de gente gorda que tem o objetivo de normalizar os corpos diversos. Promovemos uma festa de tempos em tempos para termos um lugar seguro e livre de preconceitos, onde a diversidade é a regra e protagonista. Passei a ser mais ativa no rolê em junho / julho de 2019.
O outro cenário: a diversidade de corpos tem sido pauta em alguns espaços, festas, festivais e o carnaval é um deles.
EPISÓDIO 1: SARAU LIBERTÁRIO
Fomos convidados pra um evento – o Sarau Libertário, para falarmos sobre os corpos diversos no carnaval. Fomos bem coloridos e alegres, mas as cadeiras não nos suportavam. Eram cadeirinhas de plástico e começamos a incomodar e a chamar a atenção das pessoas ali, da melhor forma possível. Falávamos para pessoas do carnaval e dali saíram alguns convites. Aceitamos o do bloco Haja Amor – um bloco de música independente, feminista, LGBTQIA+ friendly, e gordoativista.
EPISÓDIO 2: ROLEZINHO SENSACIONAL
Outro debate que nos envolvemos (sem sermos convidados, mas abriram o microfone aí já viram, né!) foi um bate papo promovido pelo Festival Sensacional – um festival maravilhoso que acontece em BH. Dali também saíram vários convites, mas nos sentimos no direito de recusar alguns (por estarmos individualmente envolvidos com outros blocos ou por não concordarmos 100% com uma postura ou outra). Lá eu também conheci a Luiza – que tem o projeto das Tatuagens temporárias “Não é não!”. Foi um grande encontro.
EPISÓDIO 3: START NO CARNAVAL
Na semana anterior ao carnaval eu comecei a acompanhar quando possível a jornada de TRABALHO e luta da Maíra Rodrigues, trabalhadora sócia majoritária da empresa carnaval de BH! Há dois anos ela veio parar no meu feed mas só nos conhecemos em 2019. Ela é instrutora de fitdance e eu sou aluna dela!
EPISÓDIO 4: MAXMILHAS
Na quarta começou a minha odisséia nesse carnaval. A Maxmilhas fica em BH e convidou o Rolê de Peso para falar sobre gordofobia, corpos gordos e o carnaval. Foi incrível e cheio de significado. Estarmos num ambiente corporativo falando com pessoas muito diferentes de nós – estouramos um pouquinho a bolha!
EPISÓDIO 5: BLOCO HAJA AMOR
Na quinta foi a nossa participação no Haja Amor – ele não sai em cortejo, se apresenta parado no palco da praça México. Fomos convidados e homenageadas pela ala de dança ao som de Miss Beleza Universal. Abriram o microfone pra gente falar e havia sido um dia bosta. Eu tive uma crise de pânico por um episódio de assédio moral que passei no trabalho. Outra companheira do rolê teve o whatsapp clonado e sofreu um golpe. Mas era necessário, só o close não fazia sentido. São tempos sombrios e difíceis. O bloco foi interrompido antes do fim pela polícia. Outros blocos de luta também sofreram ação truculenta da polícia militar.
EPISÓDIO 5: BODY E MEIA ARRASTÃO!
Pus a bunda pra jogo, mas com um short na pochete, pois nem todo bloco é um Rolê de Peso e tive medo de não estar segura. Mas eu fui feliz com minha roupinha e não me senti mais triste ou menos livre e carnavalesca por ter saído de short no dia seguinte.
EPISÓDIO 6: A SOLIDÃO DAS MÃES E PAIS
Outra coisa que experimentei esse ano foi fazer companhia para o marido da minha amiga, que estava com o bebê deles enquanto ela tocava no cortejo do Batiza. Ele estava só. Muita gente passou, mexeu com a Iza, o cumprimentou, mas ninguém quer ser tia no bloco. Ninguém quer beber menos ou andar mais afastada da bagunça pra ser apoio ou só companhia mesmo. Eu e mais duas amigas fomos as tias da Iza e companhias do Felipe. E foi ótimo!
EPISÓDIO 7: A MELHOR SEGUNDA-FEIRA DO ANO
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Eu já falei da Maíra aí em cima. Ela é fundadora do bloco Daquele Jeito, que sai toda segunda-feira de carnaval. Ela havia me convidado há algum tempo para abrir o bloco, com uma fala sobre os corpos diversos. O carnaval de BH esteve ameaçado pela truculência, pela isenção de posicionamento, pela politicagem e pela burocracia. Juridicamente, o lado de cá perdeu, mas fomos para as ruas na força do ódio mesmo. Até segunda, tinha bloco que havia cancelado o cortejo sem saber se ia sair – e saiu! A advogada dos blocos é produtora do Daquele Jeito. A Laura foi ovacionada e merecia 100 vezes mais. Uma mulher peitando o poder público, pondo a cara na imprensa.. cheia de coragem… Olê olê olê olá, LaurAA LaurAA era o que se ouvia antes do bloco sair!
Eu aceitei o convite, mas ponderei que a militância daquele momento era o próprio carnaval de rua e a livre ocupação dos espaços públicos. Que estava tudo certo se declinassem o convite. Na concentração do cortejo a Maíra me perguntou se eu ainda estava disponível pois o convite não declinara. Eu estive disponível, tive medo, receio, pensei se a roupa estava boa e pensei na Anelise de 30 anos que chegou no carnaval de BH há 5 anos sem saber da existência da palavra gordofobia, que viu o carnaval passar e pensou que, quando emagrecesse, sairia de biquini! Ano passado eu superei uma parte – tirei a camiseta e saí com o sutiã do biquini. Segunda agora eu estava com hotpant de um biquini meu, um top de academia, meia arrastão.. como as mulheres magras que eu vi no carnaval de 2015. O cortejo cantou 3 músicas e eu fiz a primeira fala: Bom dia, democracia! Os meus registros estão picados, mas eu gostaria de dividir com vocês.. eu, meu barrigão, meu luquinho, minha história, a militância de tantos e o suporte de todas e todos que estão comigo nessa jornada. Obrigada Maíra, Lu, Rani, Margareth,… Só por estarem lá e me serem acolhida! Obrigada Ana Luiza, por ser a representatividade fora da bolha.. você foi fundamental pra esse carnaval. Obrigada, Camilla por dividir a paixão, a alegria e a luta!
EPISÓDIO 8: VIBES E TAL
Foi muita energia diferente na segunda. Não tive energia para outro bloco. Fiquei vendo os stories, conversando com as pessoas.. tentando entender o que era aquilo. Eu, mulher gorda, com muitas inseguranças, parando o carnaval dos outros pra falar de gordofobia e de machismo. Ainda não entendi, mas o episódio 8 foi sobre não sair de casa na terça. Eu precisava descansar, precisava por as ideias no lugar, precisava ouvir e também falar.
Eu vivi um milhão de coisas nesse carnaval, mas algumas certezas se renovaram mim:
- Meu corpo é político e não é piada
- O carnaval de BH é de luta e precisávamos lembrar disso
- Sozinha ninguém vai a lugar nenhum. Carreguei comigo todas as mulheres que eu já ouvi e me ajudaram a construir meus argumentos, as que me dedicam afeto e carinho pois eu preciso disso (canceriana, mores), as minhas companheiras amigas de luta e de vida.
Obrigada, Papo. Vocês todas estiveram comigo nessa odisseia!