Alerta de gatilho: esse texto fala sobre abuso de menores. Se esse é um assunto sensível para você, não leia.

Uma mão em um lugar inapropriado do amigo da família. Um abraço mais apertado de um tio. Um beijo na bochecha que não fez nenhum sentido e não te deixou confortável de um primo mais velho. Eu gostaria de começar com um sinto muito. Não foi sua culpa estar nessa situação. E não foi sua culpa não saber como sair dela. Por causa disso, só posso dizer sinto muito.
Mas esse “sinto muito” não é no sentido de mostrar empatia em uma situação que eu nunca vivi. Eu sinto muito justamente porque já senti o que você sentiu. A situação pode não ter sido a mesma, mas tenho certeza que o sentimento não é muito diferente.
Sinto muito por você não ter tido coragem de falar com seus pais.
Realmente não é fácil expor o incômodo sobre alguém que é tão querido pelas pessoas que mais te amam. E que aparentemente te trata tão bem!
Nesse momento, a gente se pergunta: “será que eu to maluca?” E posso te falar uma coisa? A sensação é que a resposta é sim. E você sabe por quê? Porque desde bem pequenas, muitas de nós fomos forçadas a abraçar e beijar desconhecidos. Tivemos que aceitar contatos que não gostávamos como forma de mostrar como éramos crianças educadas. Tenho certeza que seus pais nem têm ideia de que, ao forçar isso, fizeram com que você perdesse a noção do que é aceitável ou não. Então a resposta é: “você não está maluca, você perdeu suas referências e seu instinto”.
Sinto mais ainda se você falou com seus responsáveis e não foi ouvida.
Abandono, desamparo, incapacidade, vulnerabilidade e vergonha provavelmente foram sentimentos que te atravessaram. E com razão. Infelizmente, vivemos em uma sociedade onde crianças nem sempre são realmente ouvidas como indivíduos. Criança comportada e bem aceita socialmente não berra, não chora, não dá piti, não é escandalosa, não faz bagunça. Em contrapartida, adultos podem berrar, bater, serem escandalosos e mal educados. E é provável que nada disso dê em nada porque sempre existem desculpas. “Deixa o tio, ele tava bêbado”, “ele é maravilhoso, nos ajudou muito, você está exagerando”.
E por fim, sinto muito por você não ter achado as ferramentas necessárias para sair de uma situação desconfortável.
Muitas de nós fomos ensinadas a não falar com estranhos, a gritar caso alguém que não conhecemos tente nos pegar na rua. Mas e quando a agressão (leia-se: tudo aquilo que nos agride, não precisa de violência necessariamente) vem de quem esperamos o melhor? De alguém de confiança? Vou te contar uma coisa: muitas mulheres adultas não sabem sair de situações assim, como uma criança saberia?
E por mais que eu sinta muito tudo isso, eu só queria terminar esse texto desejando que você se recupere. Que você entenda que nada do que te aconteceu te define. Que você saiba juntar seus caquinhos e reconstruí-los em uma estrutura ainda mais forte e resistente. Porque ser mulher é não ter um minuto de paz. É estar sempre atenta desde muito nova. E, infelizmente, sempre com medo. Mas saibamos sentir umas as outras, não importa nossas idades, e que possamos nos proteger e fortalecer.