Em tempos de isolamento, repense seus memes e encare sua gordofobia

Eu, aqui em NY, já estou dentro de casa desde semana passada. Porém, desde o começo dessa semana, tenho recebido uma infinidade de piadinhas gordofóbicas em relação a essa necessidade de isolamento, que tem se mostrado cada vez mais necessária para quem pode ficar em casa.

Tem influenciadores alterando digitalmente suas imagens para parecer que ganharam uns quilos a mais. Tem meme dando opções do que vai acontecer depois dessas semanas de isolamento, onde obviamente engordar é a primeira opção. Tem atriz dizendo para seus milhares de seguidores que vai sair dessa alcoolatra, fumante ou gorda (como se ser gorda fosse tão ruim quanto terminar viciada em algo que faz mal à saúde). E tem a famigerada imagem da mulher olhando a geladeira, antes e depois do coronavirus.

Quem ainda não recebeu essa “piada” no whatsapp?

Eu já cheguei em um ponto onde simplesmente não aguento mais essas piadinhas. A gente debate esse assunto milhares de vezes. Se você digitar a palavra gordofobia aqui, vai ver uma infinidade de discussões sobre o assunto. E hoje, volto aqui, correndo o risco de estar repetindo tudo o que já foi falado. Mas vendo tanta piadinha irresponsável sendo feita, não vejo outra alternativa, do que tentar abrir novamente a discussão.

Ficar em casa não é sinônimo de comer exageradamente.

Camilla Estima já falou nesse post sobre um exercício que ela fez com sua turma onde, juntos e em pouco tempo, eles chegaram a 52 motivos para comer. Motivos que não estavam relacionados com fome, e sim com emoções. E para mim, esse tipo de ideia de que ficar em casa significa comer mais só significa que tem muita gente por aí não sabendo lidar com os próprios sentimentos. Não sabendo lidar com tédio, com angústia, com medo, com impaciência, com a falta de controle e até mesmo com o tempo livre.

A solução para essas questões não é comer. Por mais gostoso e reconfortante que usar a comida como muleta possa ser em algum momento, precisamos debater o problema. E parar de gerar piadas preconceituosas que só estigmatizam as pessoas gordas.

Gordofobia? Sim!

Eu sei que pra muita gente que nunca sofreu de transtornos alimentares ou gordofobia, essas “brincadeirinhas” parecem bobeira. “Ah, é só algo para desestressar”, “só uma piadinha”. No entanto não é inofensivo quando ofende um grupo que já fica facilmente à margem. Não é inofensivo quando você faz piada com o corpo alheio. Isso porque não falei sobre demonizar a comida, gerando culpa em uma relação que deveria ser mais saudável e mais leve. Normaliza uma vida inconsciente com relação à fome x saciedade. Ao compartilhar essas imagens como piada, estamos reforçando a ideia de que corpos gordos podem ser motivos de riso. Ou pior, que ficar gorda é uma fatalidade que pode ser comparada com alcoolismo ou vício em cigarro.

Onde isso é aceitável, gente? Se isso não é gordofobia, eu não sei mais o que é.

É por causa de piadinhas ditas inofensivas que muitas mulheres passam a vida odiando o próprio corpo. Procurando milagres que não existem para ter um corpo tido como perfeito. Adoecendo pelas consequências dessa obsessão social pela magreza dos corpos femininos. Ao entrar e sair de dietas mais malucas, nosso corpo sente. E em alguns casos adoecem com transtornos alimentares, que é uma das doenças psiquiátricas que mais matam mulheres.

Estamos em um momento em que muita gente está reaprendendo a viver em comunidade. Estamos debatendo sobre a possibilidade de não sair de casa para poupar quem não tem essa escolha. Se todos esses movimentos de olhar para os outros estão acontecendo, piadas sobre ficar gorda ainda estarem rolando é uma hipocrisia.

Se você tem medo da sua relação com a comida, procure um psicólogo especializado para te atender remotamente. Ou até mesmo uma nutricionista comportamental. Não faça bullying com grupos já tão discriminados.

 

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